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Resenha: The Chemical Brothers – ‘Born In The Echoes’



Não operamos em linhas de produção alienadas, mas em cadeias complexas onde todos devem compreender a totalidade do processo. Para acompanhar o ritmo da ambição humana, nos tornamos biônicos e potencializamos nossos aparatos tecnológicos para operar, até mesmo sem que façamos muitas interferências. Não pensamos no peso que a autonomia traz a estes dispositivos.

Surpreendentemente, reflexões interessantes sobre as relações entre o homem e a máquina partem da música eletrônica. 'Harder, Better, Faster, Stronger' (Daft Punk, 2001) poderia resumir uma aula de Sociologia acerca do Toyotismo e 'Horse Power' (Chemical Brothers, 2010) parece ser o desabafo de uma máquina.

A dupla britânica The Chemical Brothers rompe o hiato de mais de quatro anos e lança, neste mês de julho, o aguardado 'Born In The Echoes' (Astralwerks/Virgin EMI, 2015). Se você pensa que estas minhas divagações sobre o homem e a máquina de nada valeriam para esta resenha, já adianto: a faixa título do álbum reúne na voz cansada de Cate Le Bon o suspiro de alguém que nasceu em ecos.

"Go", uma das primeiras faixas divulgadas do álbum, nos fala sobre humanos que operam como máquinas. Quem lê Isaac Asimov sabe: os robôs também poderiam questionar seus passos. A música eletrônica não se esquece de quem emite a sua voz.



'Born in the Echoes' inicia-se com "Sometimes I Feel So Deserted", um toque de doçura ao suspiro solitário da canção. Palmas se misturam a ruídos que poderiam pertencer a uma fábrica em operação. Não é uma faixa genial quando ouvida isoladamente, mas acrescenta ritmo a todo o álbum, como o início de uma corrida.

Já "Go", com a participação de Q-Tip, não só é a faixa mais contagiante de todo o disco, como também foi genialmente promovida. O vídeo dirigido por Michel Gondry a elevou a status de ícone, evidenciando o potencial que ela tem para os fãs da música eletrônica com o que há de melhor no trabalho do Chemical Brothers: vocais que entoam refrões fortes e fáceis para serem cantados em multidões.

Operando harmonicamente para mover uma espécie de mecanismo de locomoção, as bailarinas de Gondry poderiam exibir sua graça em movimentos curvilíneos, mas concedem leveza a espaços e gestos essencialmente geométricos. Ponto para Gondry, Tom Rowlands e Ed Simmons por colocarem o minimalismo a um nível impressionante de acessibilidade.

"Under Neon Lights" traz uma fantasmagórica participação de St. Vincent. O tema solidão é retomado sob o conto de uma mulher que pensa em suicídio sob nossas conhecidas e incômodas luzes de neon.



Um aspecto curioso: há aqui algum resquício da introdução de "Baba O'Riley" (The Who, 1971), o que nos confirma o apego da dupla britânica por sonoridades das décadas de 70 e 80. Como se seguíssemos o percurso da mulher interpretada por St. Vincent.

"EML Ritual", com a colaboração de Ali Love, traz alguém a vagar sem rumo e, em meio a múltiplas vozes, declara que irá perder a cabeça. Enquanto a escutava, consegui me imaginar em uma roda onde pessoas perdidas narram suas histórias e, sem resquícios de esperança, não haveria um Don Draper para consolar as lágrimas de um desconhecido - peço perdão aos que ainda não alcançaram a reta final de 'Mad Men'.

O hino psicodélico "Tomorrow Never Knows" é um amuleto de sorte e desventuras na história do Chemical Brothers, mas eles não parecem ligar para coincidências ou trevos de quatro folhas. Se em 96 a dupla foi abordada por representantes dos Beatles, que consideravam a faixa "Setting Sun" um plágio do hit de 1966, Ed e Tom se mostram destemidos e lançam "I'll See You There", cuja introdução é uma versão eletrônica de uma das maiores pérolas de 'Revolver': a cítara - o must have do final da década de 60. Aqui é interpretada por sons que se assemelham a uma guitarra distorcida.

Diferentemente do caos erótico da faixa anterior, "Just Bang" é uma faixa na qual encontramos elementos dos trabalhos de John Cage e Kraftwerk, onde os sons são desejavelmente maquínicos, como se saídos de uma calculadora velha ou de um Tele Jogo restaurado. Na faixa, o Big Beat dos anos 90 encontram as engenhocas minimalistas da música experimental alemã.



"Reflexion"é uma faixa de transição, que também creio desempenhar um papel coadjuvante para a narrativa do álbum. Contudo, ela não é desnecessária: seus elementos sonoros têm coerência e harmonia com as demais faixas. Sem recorrer ao clichê de crescimento das notas, a faixa atinge efeitos dramáticos. Preciso contar que fiquei de pêlos arrepiados com os sons distorcidos do que supus ser uma guitarra a ser torturada. Me senti transportada para a canaleta de uma grande máquina em operação.

"Taste of Honey" me parece um tanto menos despretensiosa e se aproxima melhor de uma brincadeira sonora. Contudo, as abelhas sintetizadas só me despertaram interesse após a interferência de um violino, que desencadeia um pequeno caos na faixa, trazendo consigo guitarras distorcidas e até mesmo um xilofone.



"Born in the Echoes" desempenha com muita propriedade o papel de faixa título do álbum. Como disse anteriormente, a voz de Cate Le Bon, uma máquina farta, parece olhar para si como em um conto de Asimov a fim de questionar a própria existência. Novamente, o Chemical Brothers mostra ótimos recursos sonoros para acrescentar carga dramática a narrativa. Somos conduzidos, graças aos áudios que poderiam ter saído das engenhocas de Ben Burtt, uma reflexão esmiuçada e repleta de raiva. Haja paciência, mas indico aqui o 'Electroma' (Daft Punk, 2006) para quem quiser se aprofundar nesta angustiante busca da sensação de pertencimento no mundo das máquinas.

Na última parte da ópera, "Radiate" traz vocais discretos em uma faixa cujo ápice é a interferência de sonoridades vintage, que certamente convocarão memórias afetivas da geração que cresceu com seriados japoneses em live action e as epilépticas vinhetas da MTV. Já "Wide Open", com Beck, intrigou-me. Pergunto-me por que o Chemical Brothers optou por finalizar 'Born in the Echoes' com uma canção repleta de elementos house e versos pop. Um tanto deslocada das demais, a faixa irá agradar os fãs do 'Random Access Memories' (2013), do Daft Punk.

Com o mesmo potencial para gerar hits que os seus avôs, 'Surrender' (1999) e 'Exit Planet Dust' (1997), 'Born in the Echoes' tem tudo para se consagrar como uma pérola da música eletrônica. Falo em pérolas sim, mas tenho dúvidas de que o álbum seja, de fato, atemporal. Sabe-se lá o que a revolução dos robôs nos prepara.


Ouça: "Born in the Echoes", "Go", "Under Neon Lights" e "I'll See You There".

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